sábado, 10 de janeiro de 2009

O ESTUDANTE DE COMUNICAÇÃO E O BICHO QUE O ESPERA

As tecnologias digitais são um buraco negro que engole um a um os meios de comunicação, mas que ainda não nos deixa ver com clareza o bicho que sairá do outro lado.

Por Zeca Martins

Na mitologia grega, neguinho quando morria não ia pro céu nem pro limbo nem pro inferno: ia direto para o reino de Hades, o deus da morte, das profundezas.
Chegando nas imediações, era obrigado a atravessar o rio que o separava da entrada principal. Esta travessia, aliás, era monopólio de um barqueiro chamado Caronte, que cobrava um óbulo – moeda da época – pelo serviço.
Para garantir que o morto chegasse ao reino de Hades, não se transformando numa alma errante, penada, sem destino, é que os gregos tinham o hábito de enterrar o defunto com uma moeda sobre o corpo. Assim ele teria os meios de pagar o tal Caronte.
Uma vez desembarcado, nosso amigo presunto ainda tinha que passar diante do olhar desconfiado de um cachorrão muito bravo chamado Cérbero, guardião da entrada do reino. Bobeou, levou mordidas. Isso mesmo, no plural, porque o feioso do Cérbero tinha três cabeças. Um horror, enfim.
Hoje, quando vejo que a estudantada de comunicação tem um monstrengo igualmente inclemente à sua espera, impossível não me lembrar do cachorrão tricapitado, se o leitor me permite o neologismo.
O monstrengo a que me refiro é o terremoto tecnológico que tem chacoalhado o ambiente da comunicação. Grau nove na escala Richter.
O leitor mais jovem talvez não se dê conta, mas nunca antes neste país – como diria nosso molusco-presidente ou presidente-molusco, como queira – se viu tamanhas modificações de cenário em tão pouco tempo. Nem neste país nem no resto do mundo.
Até há bem poucas décadas um simples telefonema interurbano, por exemplo, era um evento! A primeira transmissão de televisão internacional ao vivo foi há menos de 40 anos. A primeira colorida, há 34. Na escala do tempo isso é nada.
Ultimamente, em menos de dez anos, vimos a telefonia fixa ter sua morte decretada, as cartas viraram e-mails, a revelação de fotografias sumiu, os guias de cidades viraram GPS.
Há menos de 15 anos olhávamos a estrelas aqui da Terra. Hoje, com o Google Earth, olhamos a Terra a partir das estrelas.
Não, leitor, isto não é nenhum delírio fascinado de um cinqüentão: é um alerta. Primeiro, porque o mundo ainda pensa e é administrado (comandado) por cabeças formadas dentro de um modelo de raciocínio. Muitas das verdades (crenças e valores) que guiam nossos destinos ainda são as do século vinte. De meados do século vinte!
Há um enorme conflito em ebulição. Tem um vazio aí, em algum lugar. Quem souber conviver com o que vem, driblando a mentalidade passada, vai se dar, creio, muito bem.
Em segundo lugar, porque a tecnologia é muito rápida (enquanto a transição dos valores é muito lenta), o que tem tudo a ver com as três cabeças do monstrengo que te espera.
Primeira cabeça do monstro: A multiplicação dos meios de comunicação.
Quando terminei a faculdade (ESPM-SP, 1982), pensávamos publicidade sempre associando-a com os limitados meios de comunicação disponíveis: rádio, jornal, revista, TV, outdoor. Pronto, acabou. No more. Não bastasse, tinha sempre relativamente muita grana na parada, as verbas eram ótimas, e todo mundo fazia uma farra.
Mas o tal monstrinho foi pondo a cabecinha devagarinho, devagarinho (sem sacanagem, por favor!) pra fora, ninguém se deu conta e…
E veio televisão a cabo com 800 canais, rádio digital via internet, um milhão de novos provedores de informação a mais por dia, filme publicitário dentro de um jornal com cara de impresso (nas home pages), RSS, blogs, links patrocinados, a notícia vai na mão e também vem na contra-mão, You Tube, você faz a televisão, o jornalista escreve a notícia, você escreve a notícia, o publicitário faz anúncios, o cidadão comum também faz anúncios, o e-paper tá chegando etc. etc. A própria língua falada e escrita está mudando (não me refiro a acordo ortográfico). Bem, f… tudo!
E eu às vezes me queixava do conjunto rádio, TV, jornal, revista e outdoor. Caramba, como era tudo tão fácil! Meu Deus, eu era tão feliz!
Me preocupa não ter notícia de muitas faculdades de comunicação profundamente interessadas em fazer ver ao aluno, ainda que na porrada, a necessidade premente, impostergável de estudarem detidamente as conseqüências e desdobramentos desta explosão de meios de comunicação que vivemos, estudar muito mais a fundo do que supõe nossa vã filosofia.
Insiste-se, por exemplo, exageradamente na semiótica, quando quem está com os dentes arreganhados, prestes a morder o calcanhar do comunicador, é a memética. Ensina-se planejamento de propaganda com a mesma receita embolorada que ensinaram para mim.
Criação, então, para muita gente ainda se resume a uma ridícula sacadinha. :(
Segunda cabeça do monstro: Convergência dos meios de comunicação.
A internet e as tecnologias digitais são, de certa forma, um imenso buraco negro que está engolindo um a um os meios de comunicação, mas que ainda não nos deixa ver com clareza o bicho que sairá do outro lado. Que espécie de entidade híbrida, afinal, haverá brevemente de nos manter ligados ao resto da humanidade?
Ironicamente, os meios foram multiplicados para no final se tornarem um só!
Multiplicamos para reduzir. “E sereis um” bem que poderia estar escrito em algum versículo da Bíblia ou centúria de Nostradamus.
Exatamente em razão desta convergência dos meios, acredito piamente que separar as áreas da comunicação em comportamentos estanques não deverá fazer muito sentido dentro de algum tempo (já não faz hoje!). Publicidade, jornalismo, RP etc., tudo deverá se aproximar muito, quando não se fundir, unificando-se, aqui e acolá, numa mega atividade qualquer.
E tudo depende da engenharia eletrônica. Tão logo a internet esteja baseada numa ampla rede de comunicação de altíssima capacidade de transmissão de dados, a fusão vai se completar.
Depois, só com bola de cristal para saber.
Terceira cabeça do monstro: Um novo mercado de trabalho.
Toda esta reconfiguração do ambiente profissional vai desaguar, evidentemente, em novas ou, mais exatamente, diferentes oportunidades de trabalho.
Não me parece que os modelos tradicionais empregador-empregado e agência-cliente vão resistir intactos por muito tempo neste nosso mercado da comunicação (falo dos próximos 15 ou 20 anos, quando você estará atingindo o ápice da sua vida profissional).
Há quinze anos, mal imaginávamos a internet.
Agora você já não é mais um estudante ou profissional de uma cidade ou região. Você é estudante ou profissional e ponto final. Do mundo. As oportunidades não estão encapsuladas na sua cidade, estão escancaradas bem diante da sua cara, na internet, que representa o mundo inteiro.
Mas você precisa apertar um botão.
Por isso, se eu não estiver redondamente enganado, mais do que nunca quem irá se dar bem é o profissional pra lá de preparado, de vastíssima cultura geral, muito letrado & viajado, que domina perfeitamente outro idioma – tanto quanto o português (sempre foi assim, mas parece que a coisa vai apertar).
Ouso imaginar que a capacidade de entender filosofia logo será mais valorizada que a de entender tecnologia. Enfim, tudo me leva a acreditar que se exigirá bem mais do que se tem feito até aqui.
Porque em algum momento (próximo) o choque de mentalidades e valores vai criar um racha qualquer, talvez como na França de 1968 ou, em sentido filosoficamente semelhante porém esteticamente diferente, Woodstock, um ano depois. Provavelmente não tão barulhento, mas certamente será um racha profundo.
E agora? Você vai trabalhar onde? Vai pedir emprego pra quem? Aliás, o que é você mesmo? Publicitário? Relações Públicas? O quê?
Quer uma dica? Não peça emprego; crie oportunidades de trabalho. Esse é o jogo.
O bicho é feio? É feio. É bem feioso. Mas acredito piamente que com calma, muito esforço e competência você doma a fera cabeçuda e ainda sai bonito na foto. [Webinsider]

Postado: 16 de dezembro de 2008, 12:01
Sobre o autor: Zeca Martins (zecamartins@yahoo.com.br) é publicitário e mantém um blog.
Foto: Sergio Afonso/olhares.aeiou.pt/Gentes e Locais

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

PORQUE A INTERNET VAI MATAR A PROPRIEDADE INTELECTUAL

Os princípios de proteção à produção intelectual estabelecidos na Convenção de Berna, atualizados durante o século 20 e ratificados pela maioria dos países, já dão claros sinais de cansaço diante do pensamento liberalizante da internet.
Por Zeca Martins

Certamente, você já ouviu falar da teoria dos vasos comunicantes, aquela que nos mostra que líquidos contidos em vários recipientes igualam seus níveis quando estes recipientes são interligados.
Com o conhecimento se dá a mesma coisa.
Até então represado em universidades, bibliotecas, livros etc., que sempre foram ambientes de acesso restrito, o conhecimento tinha uma dificuldade histórica de se expandir e beneficiar todo mundo.
Voltando aos vasos comunicantes, a internet vem colocando mais e mais tubos conectando pessoas que, por sua vez deixam o conhecimento escoar muito livremente para todos os lados, num processo incontrolável de multiplicação das idéias. Sem restrições, sem preconceitos, sem barreiras.
A tendência, ainda que se demore muitos e muitos anos, é o nivelamento do conhecimento entre os homens. Claro que isso, por si só, não significa que todos venham a usar a informação e o conhecimento da mesma forma e com os mesmos resultados, uma vez que aí entram em cena as capacidades e os talentos individuais. Mas que que o nível médio subirá muito, não há a menor dúvida.
Até aqui, eu não disse nada de surpreendente. O que me importa discutir, porém, é uma coisa chamada propriedade intelectual.Os princípios de proteção à produção intelectual vigentes em boa parte do mundo, estabelecidos há séculos, normatizados pela Convenção de Berna (nascida Convenção da União de Berna, por volta de 1880, com atualizações durante o século 20) e ratificados pela maioria dos países, já dão claros sinais de cansaço diante do pensamento liberalizante da internet.O cambaleante mercado fonográfico é prova incontestável.
Cada vez menos faz sentido o conhecimento pertencer a alguém, como se fosse um automóvel ou um eletrodoméstico. Porque cada vez mais a humanidade vai-se convencendo que o conhecimento é ou deve ser universal, tal qual o ar que respiramos. Não faria sentido o ar pertencer a alguém que nos vendesse cotas diárias do direito à respiração. Note: na analogia, não falei de venda de volumes físicos de ar, como que engarrafado em cilindros, mas da venda do direito de respirar.
Na verdade, não advogo que deva ser feita uma lei que acabe com o direito autoral e o da propriedade intelectual como os conhecemos hoje. Isso seria de uma inutilidade acachapante.
Apenas acredito que muito brevemente os tais princípios vão morrer sozinhos, secos, de velhice, num processo irrefreável, auto-sustentado, impossível de ser impedido sejam lá com quantas leis, decretos e tratados se venha a imaginar.
Eu mesmo já fui um franco defensor do modelo que agora já chamo de “antigo”, o de Berna. Mas é-me impossível continuar a sê-lo, diante das evidências que nos surgem diariamente.
Os blogs, por exemplo, são prova disso. Eu e todos os demais blogueiros do mundo poderíamos simplesmente cobrar pelo acesso às nossas idéias e informações, publicando-as na forma de livros ou sites de acesso pago, por exemplo. Mas não o fazemos. Por que? Porque não interessa, simplesmente. Talvez porque haja um certo atavismo contido nesta necessidade de contribuir com todo mundo.
É claro que o leitor poderá retrucar, dizendo “mas e os teus livros e cursos, Zeca, por que você não os dá simplesmente, de graça?”.
A resposta é fácil: porque não os imprimo de graça e nem pego comida no supermercado sem pagar.
Não é de sobrevivência, o que eu falo. Quero dizer com isso que não cobro pelo meu escasso conhecimento, mas sim pelo meu trabalho de ficar anos e anos juntando informações, experimentando hipóteses e reunindo conclusões, para passá-las adiante.
O modelo de direito autoral que ora vige, não é o da venda de volumes cúbicos de oxigênio, é o da venda do seu direito de respirá-lo! São coisas muito diferentes.
A questão que se impõe, no fundo, é, a meu ver, como sobreviver do conhecimento sem cobrar por ele? Como? (Declaro aberta a temporada de comentários e discussões). Porque não tenho dúvida de que, por mais que esperneiem os juristas e advogados, o direito de autor vai morrer, a propriedade intelectual vai morrer.
E a internet avisa que comparecerá ao funeral. [Webinsider]

Postado em:22 de novembro de 2008, 9:38
Sobre o autor: Zeca Martins (zecamartins@yahoo.com.br) é publicitário e mantém um blog.